Política

Consultores rejeitam relatório que comprova subsidência do solo na região dos Flexais

Apesar de documento independente, Poder Público concorda com mineradora sobre não atualizar mapa de risco e incluir região

Por Ricardo Rodrigues - repórter / Tribuna Independente 02/12/2025 08h34 - Atualizado em 02/12/2025 08h51
Consultores rejeitam relatório que comprova subsidência do solo na região dos Flexais
DPE quer Flexais entre localidades atingidas pelo afundamento do solo - Foto: Edilson Omena / Arquivo

Apesar de parte da equipe técnica – que elaborou o relatório independente, solicitado pela Defensoria Pública do Estado (DPE), sobre os impactos da mineração da Braskem na região dos Flexais, já ter se reunido com a Prefeitura de Maceió, com a Defesa Civil Municipal e a com a Defesa Civil Nacional – o trabalho dos cientistas, até o momento, não foi levando em consideração pelos órgãos de fiscalização e controle que atuam no caso do afundamento do solo em Maceió.

Segundo o defensor público estadual Ricardo Melro, o relatório independente – que comprovou a subsidência do solo na região dos Flexais, associada à extração predatória de sal-gema pela Braskem –, e constatou que a metodologia empregada pela DCM não tem validação científica, apesar de ter sido elaborado por cientistas renomados e conhecidos por integrantes do Comitê de Acompanhamento Técnico (CAT), foi estranhamente desconsiderado por consultores ligados à mineradora, que agora orientam o poder público, no caso o Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional, a Defesa Civil Nacional e o SGB/CPRM.

Como prova dessa “parceria”, que reputada como “surreal”, Melro apresentou a Nota Informativa nº 1, de 10 de novembro de 2025, do Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional, com respaldo da Defesa Civil Nacional e do Serviço Geológico do Brasil (SGB), afirmando que, para responder ao relatório independente, solicitaram manifestação das “equipes de consultoria que prestam apoio ao CAT”. E por meio de dois documentos encomendados – um da Geoprojetos e outro de uma dupla de professores da Universidade de São Paulo (USP) – fundamentaram a posição oficial:

“Considerando que o relatório independente apresenta críticas à metodologia de mapeamento de danos em edificações, ao adensamento da instrumentação de campo, e faz associação de danos em edificações ao processo de subsidência na área de atuação do CAT, foi solicitado que as equipes de consultoria que prestam apoio ao Comitê se manifestassem acerca do referido relatório. Como resultado, foram elaborados dois documentos, um assinado pela equipe da Geoprojetos e outro por uma dupla de professores da USP, os quais subsidiam a presente manifestação”, diz o item 2.13 da Nota Informativa.

“Diante desse conjunto de evidências, conclui-se que não há fundamentos técnicos que justifiquem a alteração de entendimento vigente acerca do fenômeno de subsidência em Maceió. Igualmente, não se identificam elementos que indiquem a necessidade de adoção de medidas urgentes pelo Governo Federal, no sentido de sugerir modificação das rotinas de monitoramento, inspeção ou instrumentação atualmente implementadas, ou mesmo alterações no mapa de linhas de ações prioritárias utilizado pela Defesa Civil de Maceió”, acrescenta a Nota Informativa.

“Por fim, entende-se que a forma mais produtiva para contribuir como conhecimento científico sobre o fenômeno, bem como para a continuidade das ações de segurança da população, reside na participação estruturada de pesquisadores ou entidades interessadas no âmbito do Comitê de Acompanhamento Técnico, espaço no qual dados completos, séries históricas, metodologias validadas e análises multidisciplinares são disponibilizados e discutidos de forma técnica, transparente e colaborativa”, completa a Nota Informativa do Ministério, assinada por Bráulio Eduardo da Silva Maia (SEDC/MIDR), Paulo Roberto Farias Falcão (SEDEC/MIDR) e Diogo Rodrigues Andrade da Silva (SGB/CPRM).

De acordo com a pesquisa feita pelo defensor Ricardo Melro, a dupla de professores da USP, citada na Nota do Ministério, DCN e SGB/CPRM, são os engenheiros Tarcísio Barreto Celestino e Luiz Guilherme de Mello, que apareceram, com destaque, na CPI da Braskem no Senado Federal, são consultores da Braskem. A CPI registrou que ambos assinaram o laudo divulgado pela Braskem em 27/09/2019, destinado a contestar o Relatório Síntese da SGB/CPRM, que apontou o nexo causal entre o afundamento de Maceió e a mineração predatória de sal-gema pela petroquímica. Portanto, para o defensor público, o parecer dos dois professores da USP gera total suspeição, e agrava ainda mais o cenário porque o poder público, agora, utiliza-o como razão de decidir. Para o defensor, “a Braskem fala através do governo, numa espécie de simbiose do tipo ‘juntos e misturados’”.

“A GeoProjetos, por sua vez, é responsável pela assistência técnica ao Comitê de Avaliação Técnica (CAT) — órgão que produz os estudos que embasam a delimitação das áreas de risco — mantém, até hoje, como CEO (e desde 1989) o mesmo Dr. José Roberto Brandt, que em 2019 atuou como consultor da Braskem, para criticar, desqualificar e refutar o relatório da CPRM sobre o nexo causal da mineração”, revelou Melro.

“Ou seja, o mesmo profissional que defendeu a Braskem em 2019 continua comandando a empresa que assessora o CAT, empresa que, desde 2021, passou a integrar a estrutura técnica que influencia diretamente todas as decisões sobre risco, mapas e monitoramento”, disse, acrescentando que em 2019, o CEO atuou contratado para defender a Braskem; e em 2021, a empresa que ele lidera passou a assessorar o CAT, que influencia a matriz oficial de risco da cidade”.

Melro disse ainda que os cientistas que tiveram o relatório contestado, participaram da reunião do dia 19 de novembro, na sede do Ministério Público Federal (MPF), junto com as defensorias e os MPs, além de representantes da Prefeitura, da Defesa Civil Municipal, Defesa Civil Nacional e da própria Braskem. “Nessa reunião técnica com pesquisadores independentes e instituições oficiais, ficou esclarecido que não existe validação científica para o critério de subsidência de 5 mm/ano e que os Flexais apresentam movimentos também associados à mineração, como aponta o relatório independente”.

No entanto, o Grupo de Trabalho comandado pelo MPF, para não descartar de vez o estudo independente, conseguiu aprovar que fossem enviadas as manifestações dos órgãos oficiais para o grupo independente, estipulado um prazo de 15 dias para os cientistas apresentarem um adendo ao relatório solicitado pela Defensoria Pública do Estado. Segundo Ricardo Melro, se eles não conseguirem produzirem o adendo dentro desse tempo, o prazo será prorrogado. “É trabalho voluntário. Eles têm seus compromissos profissionais”, destacou o defensor. “Mas o que importa é que façam a análise. E farão”, acrescentou.

Cientistas reafirmam necessidade de revisão do mapa por causa da mineração

Melro informou ainda que os autores do relatório — Marcos Eduardo Hartwig (UFES), Magdalena Vassileva (PhD), Fábio Furlan Gama (INPE) e Djamil Al-Halbouni (Leipzig) —compareceram à reunião do MPF, reafirmaram a conclusão do estudo, sobre as áreas do entorno do Mapa de Linhas de Ações Prioritárias, mas o que ficou claro foi a intenção de blindagem ao que está sendo feito pelos órgãos oficiais.

Na reunião do dia 19 de novembro, na sede do MPF, estavam presentes também Defesa Civil Nacional, Defesa Civil de Maceió, SGB, consultores do CAT, além de Advocacia Geral da União (AGU), da Procuradoria Geral do Município de Maceió (PGM) e representantes da Braskem. O objetivo seria sanar dúvidas e promover um debate técnico qualificado entre os pesquisadores e as instituições responsáveis pelo monitoramento do afundamento do solo em Maceió, desde 2018.

Para os cientistas autores do relatório, a região dos Flexais — onde vários imóveis apresentam rachaduras nas paredes e fissuras no solo – os deslocamentos também decorrem da mineração. Nexo causal esclarecido. A própria equipe técnica da Braskem e da assessoria técnica do CAT, reconheceram que o monitoramento aponta convergência dos deslocamentos em direção às minas, indicando correlação com a mineração — exatamente como conclui o relatório independente.

REVISÃO DO MAPA

Por isso, os pesquisadores reforçaram a necessidade de revisão do mapa, com inclusão dos Flexais na área de risco 00. Segundo eles, a metodologia utilizada pelas autoridades locais — critério dos 5 mm/ano – “não é científico”. Para os cientistas, “ficou demonstrado que o critério de 5 mm/ano não tem validação científica. Movimentos menores podem gerar danos, conforme o tipo de solo e o padrão construtivo”.

A assessoria técnica da Braskem ponderou, entretanto, que os métodos desenvolvidos para Maceió — dada a complexidade e singularidade do caso — deveriam ser reconhecidos como referência. “Pasmem! A Defesa Civil Municipal, a Defesa Civil Nacional e Serviço Geológico do Brasil concordaram com essa colocação”, comentou Melro.

Inconformado com essa decisão, o defensor público foi pesquisar mais a respeito do assunto e descobriu que a União estava seguindo orientação de consultores da Braskem para contestar o relatório dos cientistas independentes.

Durante a reunião dia 19/11, as instituições técnicas que formam o Grupo de Trabalho liderado pelo MPF informaram que, das 13 recomendações do relatório independente, 11 já estavam em execução. “Também afirmaram possuir dados interferométricos, inspeções, feições mapeadas e registros de fissurômetros que não haviam sido enviados aos pesquisadores. Comprometeram-se a repassar todas as informações, e os autores do estudo declararam estar abertos a novos aprimoramentos”, afirmou Melro. E complementou: “a abertura para aprimoramentos é regra da boa ciência. Infelizmente, os órgãos oficiais, talvez por orgulho, não se demonstraram abertos para isso. Pelo contrário, atuam com argumentos de autoridade para acabar com o assunto.”

Segundo o defensor público, os pesquisadores autores do relatório independente, antes dessa reunião na sede do MPF, já tinham se reunido com Prefeitura, DCM e DCN — em Maceió e na Alemanha.

“É importante recordar — e tudo está registrado em imagens — que dois dos pesquisadores do relatório independente, o professor Mahdi Motagh (GFZ – Helmholtz Centre Potsdam e Leibniz University Hannover) e a professora Magdalena Vassileva (PhD), estiveram em Maceió, entre 2022 e 2023, a convite do próprio Município, que custeou transporte e estadias do primeiro. Reuniram-se com o coordenador da Defesa Civil Municipal, Abelardo Nobre, com Paulo Falcão, da Defesa Civil Nacional, e com o prefeito JHC. Depois, estiveram com eles na Alemanha, em comitiva oficial”.

“Diante disso, fica a pergunta: agora que o professor Mahdi e a professora Magdalena contribuíram ativamente para um relatório técnico independente, apontando necessidade de aprimoramentos, o Município pretende negar o conteúdo e se recusar a aprimorar sua metodologia?”, questionou Melro.

Para ele, rejeitar um relatório com dados tão substanciados é algo muito sério. Afinal, são cientistas renomados. “Não são profissionais quaisquer. São pesquisadores de renome internacional, ligados a instituições científicas de ponta, cuja expertise foi buscada pelo próprio Município de Maceió, inclusive, quando a ‘chapa esquentou’, com o episódio da mina 18, foi justamente ao professor Mahdi — reconhecido mundialmente como uma das maiores autoridades em subsidência — que a Prefeitura de Maceió pediu ajuda”, lembrou o defensor Ricardo Melro.

Ele disse ainda que na reunião do dia 19/11, técnicos da Defesa Civil e da Braskem admitiram — em gravação — que o critério de 5 mm/ano não possui validação científica. “O representante da Defesa Civil Nacional afirmou que poderia ser 2, 3 ou 5 mm, porque não existe métrica, revelando que o parâmetro é arbitrário. Está gravado!”, enfatizou, acrescentando: “Na mesma reunião, reconheceu-se também o nexo causal entre a subsidência, os movimentos dos Flexais e a mineração de sal-gema”.

Empresa reconhece A tendência de deslocamentos por conta das minas

A própria equipe técnica da Braskem e da assistência técnica do CAT, reconheceram que o monitoramento aponta tendência de convergência dos deslocamentos por causa das minas, indicando correlação com a mineração — exatamente como conclui o relatório independente. Por isso, os pesquisadores reforçaram a necessidade de revisão do mapa para incluir Flexais.

Diante desses fatos, argumenta Ricardo Melro: “o que se espera é humildade institucional e abertura ao diálogo científico. Não é hora de blindar, mas de unir esforços e corrigir a metodologia, pensando exclusivamente no bem-estar da população, sobretudo das comunidades que seguem sofrendo os efeitos do crime ambiental da Braskem”.

A Defensoria Pública do Estado (DPE) vai continuar insistindo na validação do relatório independente, para a atualização do mapa de risco, traçado pela Defesa Civil de Maceió. Para ele, o estudo é sério, conclusivo e foi produzido com base em informações oficiais. Por isso, ele não aceita que o relatório seja rechaçado por consultores da Braskem.

Diante da postura do Município de Maceió, por meio de sua Defesa Civil Municipal, de fechar-se ao diálogo científico e apresentar-se como exclusivo detentor da verdade técnica, a Defensoria Pública do Estado impetrou, no dia 17 de novembro, uma nova Ação Civil Pública contra a Prefeitura de Maceió e a Braskem. A ação tem participação do Movimento Unificado das Vítimas da Braskem (MUVB).

A Defensoria Pública de Alagoas e o MUVB solicitaram, dentre outras medidas, que a Justiça determine a adoção de metodologia técnico-científica validada internacionalmente e a consequente revisão do Mapa de Ações Prioritárias para toda a área, conforme o relatório independente elaborado por cientistas renomados, em agosto de 2025.

O estudo foi elaborado por pesquisadores de referência mundial: Mahdi Motagh (GFZ e Leibniz University Hannover, Alemanha), Djamil Al-Halbouni (University of Leipzig, Alemanha), Fábio Furlan Gama (INPE, Brasil), Marcos Eduardo Hartwig (UFES, Brasil) e Magdalena Vassileva (Leibniz University Hannover, Alemanha).

As análises demonstram que o método municipal é inadequado e subestima o risco real, ignorando deslocamentos horizontais, deformações acumuladas e danos estruturais já presentes fora da área oficial. Diante disso, o princípio da precaução exige resposta imediata.

A ação pede também a elaboração de um Mapa de Danos por imóvel e o aprimoramento do monitoramento geotécnico. Caso a metodologia revisada confirme ampliação da área de risco, as famílias devem ser realocadas com urgência, com reparação integral custeada pela Braskem, cuja responsabilidade é objetiva e integral por todos os danos diretos e indiretos, conforme prever o Código de Mineração.

“Reafirmamos um ponto essencial: é ilegal condicionar o pagamento de dano material a aceitação de dano moral. Os direitos são autônomos e cumulativos”, afirmou o defensor Ricardo Melro. Outro ponto decisivo, segundo ele: os imóveis devem permanecer na propriedade de seus titulares.

“O relatório independente é prova técnica idônea e reforça o dever do Município de agir com base na ciência, no diálogo com a sociedade civil e com a academia, bem como no princípio da precaução, sempre em proteção às vítimas. É necessário ter humildade. As pessoas estão angustiadas e em risco com suas casas rachando”, concluiu Melro.

OUTRO LADO

Por meio de nota, a Defesa Civil de Maceió informou que é o único órgão com obrigações legais de monitorar e tomar as decisões pertinentes ao Mapa de Linhas de Ações Prioritárias e que não solicitou nenhum relatório independente, visto que possuímos um corpo técnico robusto e com profissionais das áreas necessárias para realizar o monitoramento e relatórios das regiões afetadas.

Todos os relatórios e mapas são chancelados pelo Serviço Geológico do Brasil (SGB) e pela Defesa Civil Nacional (DCN), órgão federais que, assim como a Defesa Civil de Maceió possuem a obrigação de agir com responsabilidade e transparência em todas as situações relacionadas ao caso.

Todas as regiões afetadas, assim como as áreas adjacentes, são monitoradas ininterruptamente por equipamentos que medem em milímetros a movimentação do solo e recebem visitas periódicas do Comitê de Acompanhamento Técnico (CAT).